12 janeiro

Vício em pornografia *: como identificar e tratar.

Vício, na origem da palavra, engloba tudo aquilo que é nocivo e mesmo assim é repetido de forma cíclica. No ciclo vicioso a coisa flui como uma roda gigante, uma coisa levando a outra, por exemplo o vício em cigarro. No ciclo vicioso do cigarro a pessoa fuma, se sente bem, passa algum tempo e sente necessidade de se sentir bem de novo e acende mais um. Outras coisas desencadeiam o comportamento de fumar, como stress e tédio, mas por trás do comportamento de fumar está sempre o desejo de “se sentir bem”. Pessoas viciadas perdem a autonomia sobre o desejo e por isso a sensação do automático. É o tal do: “quando eu vi, já tinha fumado”. Mas e o que isso tem a ver com vício em pornografia? 

O buraco é mais embaixo!

O vício em pornografia tem pormenores que o tornam mais difícil de prevenir, identificar e tratar. Primordialmente por conta do tema sexo ser tabu, ser tema velado e escondido pela sociedade no geral, tornando o acesso à educação sexual escasso e polêmico. E sem educação sexual, as pessoas, principalmente crianças e adolescentes, ficam à própria sorte com sua sexualidade. Diferente do cigarro, que existem inúmeras campanhas e informações que, apesar de ter reduzido o índice de fumantes e aumentado significativamente o número de pessoas buscando por tratamento (Pesquisa da Vigitel em 2021), mesmo assim algumas pessoas ainda se viciam.

Portanto, como vamos orientar sobre os malefícios de um tabu desse tamanho? Como vamos dar oportunidade para as pessoas solicitarem um tratamento? A resposta é: por “trabalho de formiguinha” como esse aqui. Provavelmente por isso que em consultório, a maioria dos casos de vícios em material pornográfico chegam quando os danos já estão extremamente altos.

Isso sem mencionar as condições e os motivos financeiros das produções pornográficas, pois não vou me estender.

Parecido com o cigarro, nosso exemplo de hoje, a exposição à pornografia gera prazer. Em 2023, num cenário pós-pandêmico e com acesso mais facilitado a esses materiais, acredito que o número seja maior ainda.

E como o vício em pornografia pode afetar o relacionamento?

Além da pessoa que tem vício em pornografia perder a autonomia a respeito da utilização, precisando desse estímulo para poder se excitar, principalmente na masturbação, a médio e longo prazo, isso pode trazer vários problemas ao relacionamento e à vida sexual.

Correlacionando com o cigarro, que pode acarretar várias doenças pulmonares, respiratórias e cardíacas, os efeitos colaterais da pornografia vão desde a insatisfação com o sexo da vida real, insatisfação com a aparência física da parceria, desvalorização do afeto na relação sexual, comprometimento da confiança, até um descontentamento generalizado com o relacionamento. Tudo depende de como esse vício se instalou e de qual espaço o sexo ocupa  nessa relação.

Também podemos observar efeitos psicológicos significativos, como aumento da agressividade (a pornografia é muito violenta, mesmo quando não mostra violência), ansiedade exacerbada, sintomas depressivos, dificuldade de tomada de decisões, desequilíbrio emocional, perda de interesse por estudos / trabalho, dentre outros.

O cérebro, simplesmente, não lida bem com vícios!

Mas como identificar se você está viciado em pornografia?

Alguns fatores podem dar indícios de que existe a possibilidade de um vício em pornografia instaurado. E ele pode ser leve, moderado ou grave dependendo do nível de danos que vem trazendo para a vida da pessoa. Vou citar alguns mais comuns:

  • Não consegue se masturbar, iniciar um ato ou manter excitação sem a presença de pornografia;
  • Com o tempo o sexo no relacionamento ficou sem graça;
  • Precisa cada vez mais de material diferente para se excitar, às vezes se assusta com o que assiste depois que termina a excitação;
  • Tem exigido da parceria algumas coisas que nunca foram interesse do casal;
  • Faz uso, pelo menos, semanalmente;
  • Às vezes assiste algo que recebeu no celular e quando percebe está em excitação ou se masturbando;
  • Precisa sair do convívio (trabalho, festas, etc.) para se masturbar, após ver algum material no celular de alguém ou sem querer;
  • Tem demorado mais para ter orgasmo na relação real;
  • Tem muito material salvo e não consegue se desfazer da maioria;
  • A parceira tem reclamado de um esfriamento ou distanciamento sexual;

Como tratar o vício em pornografia?

O melhor tratamento que existe para qualquer vício é o multidisciplinar. Por se tratar de um tema extremamente pouco difundido, não há um tratamento específico no SUS, inclusive a maioria dos planos de saúde ainda não dá a devida atenção à saúde sexual neste sentido. Porém, o serviço de psicologia, urologia, ginecologia e fisioterapia pélvica em conjunto, são o “padrão ouro” de tratamento no momento. Sugiro começar pelo profissional de psicologia que seja especializado em sexualidade para uma avaliação e início do contato com os outros profissionais. Para casos leves, alguns pacientes conseguem recuperar autonomia apenas com contato zero ou retirada gradativa do estímulo.

Vejo muitos profissionais, desinformados infelizmente, reproduzirem o discurso de que usar a pornografia como fator de excitação para o casal é algo benéfico. Eu inclusive no início da minha prática, antes de buscar evidências, reproduzi esse discurso.

Pornografia é como álcool na gestação: não há evidências de quantidade segura, porém existem muitas evidências dos malefícios.

No fim das contas, assim como o cigarro, a decisão inicial é nossa. As decisões seguintes podem não ser.

Quebre as correntes do vício em pornografia.

Fontes:

Donnerstein, E., & Linz, D. (1986) The question of pornography. Psychology Today

Genuis, M., Violato, C., & Paolucci, E. (1998). The effects of pornography on attitudes and behaviours in sexual and intimate relationships; National Foundation for Family Research and Education, Calgary

Gray, S. (1982). Exposure to pornography and aggression toward women: the case of the angry male.

The development of symptoms of tobacco dependence in youths: 30-month follow-up data from the DANDY study. Joseph R. DiFranza, Judith A. Savageau, Kenneth Fletcher, Judith K. Ockene, Nancy A. Rigotti, Ann D. McNeill, Mardia Coleman e Constance Wood, em Tobacco Control, vol. 11, no 3.

Zillmann, D., & Bryant, J. (1982). Pornography, sexual callousness, and the trivialization of rape. Journal of Communication

 

*Pornografia aqui engloba material de sexo explícito: fotos e filmes. Material erótico / não explícito como livros, filmes com teor sexual não entram nesta categoria.

Tags:, , , , , , ,

Comentários

comentários

Receba dicas e atualizações no seu e-mail:

  • This error message is only visible to WordPress admins

    Error: No connected account.

    Please go to the Instagram Feed settings page to connect an account.